Relato de viagem, por Marina El Hajjar Meneghel
Ir ao Líbano pode ser uma surpresa para quem não tem ancestralidade libanesa ou árabe. E de fato eu fui ao encontro das minhas raízes. Foi uma viagem muito além do turismo em si. Mas encontrei um território potente, lindo, acolhedor, bem diferente daquilo que ouvimos e lemos. Aqui eu escrevo um pouco da experiência e te convido a fazer uma viagem comigo, especialmente se tu puder e quiser conhecer presencialmente esse país encantador!
Geralmente quando pensamos em Oriente Médio pensamos em conflitos políticos, econômicos e religiosos. E sim, isso é uma realidade, mas é só uma parte, não podemos resumir um país aos seus conflitos, pois desconsideramos toda sua potência, a força do seu povo, a beleza da natureza, a expressão da cultura.
O Líbano é um país pequeno, com pouco mais de 7 milhões de habitantes, banhado pelo mar mediterrâneo e acolhidos pelas montanhas do Monte e do Anti Líbano. Um espetáculo da natureza. Faz divisa com a Palestina e com a Síria, então vive não só seus conflitos internos, mas também é influenciado diretamente com o que acontece em países vizinhos.
Fiz essa viagem sozinha, contratei a empresa Líbano Tour que cuidou de todo roteiro, hospedagem, todos os passeios e almoços. Todos os dias fomos acompanhados com uma guia que fala português e que deixou a viagem muito mais interessante, desvendando a história antiga desse pequeno/grande país. E tive a sorte de conhecer pessoas maravilhosas que fizeram a viagem comigo e nos falamos até hoje, laços construídos pelo amor ao Líbano e às nossas raízes ancestrais.
Beirute é uma capital movimentada, senti uma mistura de modernidade com os anos 1990, a arquitetura se confunde, depende o bairro em que tu estiver tu retorna no tempo. As marcas dos conflitos estão pela cidade, o que deixa a história viva. Igrejas e Mesquitas por toda a cidade deixam explícito o poder da religião (nada muito diferente daqui, que tem uma assembleia de Deus a cada esquina).
Restaurantes e bares maravilhosos na Zaitunay Bay em frente ao Mar Mediterrâneo e as imponentes Pegeon Rocks, duas rochas de 60m de altura que são o cartão postal da cidade. Por $12 tu faz o passeio de barco no mar passando pelas rochas. Além disso, a vida noturna é muito agitada e considerada uma das melhores do mundo, diversos estrangeiros vem só para curtir a noitada libanesa.

Como o Líbano é bem pequeno, em menos de 4 horas tu atravessa de norte a sul, e em uma hora de leste a oeste. Dá pra conhecer ele todinho.
O primeiro dia foi livre e pude conhecer Beirute do jeitinho que eu queria, a pé, caminhando pela orla, almoçando num restaurante delicioso Al Falamanki em frente as Pegeon Rocks, a noite tomando um drink no Bayview hotel e depois jantando no Ahwet Zeitouna na Zaitunay Bay.

O segundo dia conhecemos o Museu Nacional de Beirute, andamos pelo centro da cidade e conhecemos a praça da Estrela, que tem influência dos colonizadores franceses e parece a Champs Elysées, está fechada desde as manifestações de 2019, pois a praça dá acesso ao parlamento libanês e claro que os políticos tem medo de povo, então a solução foi fechar e infelizmente várias lojas foram a falência. Só entramos, porque éramos turistas.
No terceiro dia fomos para a Gruta de Jeita, que é de tirar o fôlego, considerada a 8ª maravilha do mundo. As grutas se formaram com um abalo sísmico, que dividiu o Líbano em Monte e Anti Líbano (que são as formações montanhosas que marcam o território libanês). Conhecemos Harissa – a Nossa Senhora do Líbano e Batrôum, que é uma cidade pequena, muito charmosa, ali se encontra uma muralha Fenícia com mais de 1200 AC e bebemos a limonada do Hilmis, considerada a mais gostosa do mundo. Penso que essa cidade poderia ser melhor aproveitada. Na próxima pretendo dormir ali e ficar uns dois dias aproveitando cada pedacinho dela.


No dia seguinte subimos as montanhas, conhecemos o Museu de Gibran Khalil Gibran em Bsharre, almoçamos num restaurante espetacular Cedars Heaven, infelizmente o dia estava nublado e não pudemos apreciar a vista de cima das montanhas, mas valeu a experiência gastronômica impecável. Ainda neste dia conhecemos a floresta de cedros ou cedros de Deus, mais um presente para os olhos e para a alma.
A noite regada com comida típica, arak e muita dança no Mezyan, indicação do amigo libanês Etyen que é um artista, produtor musical e para quem gosta de música eletrônica indico seguir no Spotify.


A viagem que até aqui foi um espetáculo, me surpreendeu mais uma vez…
Baalback, a cidade do Sol, no vale do Beqaa. Ali se encontra o sítio arqueológico dos Grandes Templos (Templo de Júpiter, de Baco e de Vênus), na companhia de um guia, aquelas pedras vão sendo tomadas de significado e parece que viajamos no tempo. Tive o privilégio de dançar no Templo de Baco a convite da nossa guia e foi uma experiência transcendental. Ah esqueci de dizer que sou bailarina e professora de dança do ventre.
Ainda neste dia passamos por Zahlé, mas foi uma visita rápida, essa cidade certamente poderia ter sido melhor aproveitada. Fica para a minha segunda visita 🙂

O sexto dia era livre, uma parte da excursão fez um passeio extra para a Síria e eu optei por conhecer a cidade da minha ancestralidade materna e visitar meu tio avô que viveu no Brasil quase toda sua vida e retornou ao Líbano há alguns anos. A cidade é Karaoum, um vilarejo no Vale do Beqaa, encantador. Conheci a casa em que minha avó nasceu e que vive hoje meu tio avô, uma casa com mais de 150 anos. Conheci a casa em que minha mãe nasceu e viveu junto com meus bisavós por parte de avô. E ainda, meu primo me levou para o topo da montanha onde pude ver de cima o vilarejo de Karaoum, uau! Nenhuma excursão sobe as montanhas, tive a sorte de ter um parente que me levou até esse local.

Foram mais 5 dias e conhecemos Anjar, Taanayel, Broummana, Beit Mery, Faqra, Annaya, Byblos, Deir El Qamar, Beiteddine.
Dessas, escolho falar de Byblos, que é a segunda cidade mais antiga do mundo, com civilização permanente desde 7 mil anos AC. Ali se encontram vestígios das civilizações fenícias e dessa cidade saiu o alfabeto fenício. Um dos castelos é marcado por cada civilização que invadiu e dominou esse território, cruzados, mamelucos, otomanos, romanos. As ruínas dão de frente pro mar meditarrêno, nem consigo expressar em palavras a beleza daquele lugar.

O último dia era livre e escolhi fazer um passeio para o Sul do Líbano e conhecer Sidon e Tyro. Conta a história que Jesus passou por essas cidades para fazer suas pregações. Conhecemos o antigo Souk que tem muitas lojas e bazares, o problema é que fomos na sexta-feira, a maioria é muçulmana e as sextas são dedicadas ao rezo, então grande parte das lojas estavam fechadas, mas tive a sorte de comprar rahas artesanais (balas de gomas), pertinho da igreja ortodoxa, sem dúvida a melhor raha que já comi nessa vida. Também conhecemos o Castelo do Mar, construído pelos cruzados no século 13.

Conhecemos em Maghdouché a Igreja e o monumento de Nossa Senhora de Mantara (que significa ‘espera’ em árabe). Ali dizem que nossa Senhora esperava por Jesus enquanto ele fazia suas pregações na região.
Em Tyro poderíamos nos banhar no mar, como o tempo estava apertado, infelizmente não conseguimos, mas fica a dica. Conhecemos sítios arqueológicos (Arco do Triunfo, Arqueduto, Necrópole, Hipódromo Romano e Al-Mina).
Além de lindo, o povo libanês me pareceu muito consciente politicamente, sabem falar dos assuntos políticos com profundidade, todos têm uma revolta profunda com os governantes e a corrupção no país. Vivem hoje uma das maiores crises econômicas, que se aprofundou com a explosão do porto em 2020, o salário mínimo é de $40,00 mensais e ainda vivem a contradição da guerra na Síria. Estão sem presidente há seis meses e o turismo tem sido um dos apoios para reerguer o país. Então além de conhecer e se maravilhar com um povo acolhedor, que sabe viver o presente, vais ajudar o país a se reerguer. Fico feliz de ter contribuído um pouquinho.
Vais encontrar beleza, história, comida boa, e muita música e dança. Vem pro Líbano!
@elhajjar.marina