Por Clarice Basso
As notícias do assassinato das turistas argentinas Maria e Marina em fevereiro no Equador mexeram bastante comigo. Como viajante de carteirinha não tem como não imaginar o quanto elas planejaram, sonharam com essa viagem, para chegar a um desfecho tão cruel, tão fora da rota. Não tem como não me identificar e imaginar a preocupação de minha mãe a cada vez que apronto as malas… E como mulher que já viajou e viaja realmente sozinha ou com amigas não tem como eu não me identificar com as questões da ocupação do espaço público pela mulher e da culpabilização das vítimas de violência quando essas são do sexo feminino. Para quem está por fora do caso, a imprensa noticiou massivamente que as amigas assassinadas “viajavam sozinhas”. Eram maiores de idade, viajando juntas, mas foram consideradas “solas” porque estavam sem um homem ao lado. Não entrarei aqui nos debates, pois para quem quiser se aprofundar já existem milhares de artigo na rede, recomento esse aqui.
Bom, como nem vejo possibilidade de discutir que: 1- sim, o problema do machismo é real e mata. 2 – sim, nós mulheres que não aceitamos nos condicionar a dependência de um homem para termos somos um “problema” para esse mundo machista; 3 – ainda assim, continuaremos correndo, então, tratemos junt@s de fazê-lo mais seguro para tod@s – ao invés de promover mais um debate aqui, o que pretendo é homenagear de forma bastante singela Maria e Marina e todas nós viajantes desse mundo véio sem porteira.
Deixo aqui uma lista de filmes que retratam mulheres viajantes, realmente sozinhas ou acompanhadas por amigas. A lista não é extensa e precisei parar e pensar um pouco, porque realmente a mulher viajante e independente não é o ícone mais retratado da sétima arte. Apesar disso, ai vão algumas dicas para nos inspirarmos a continuar a jornada!
1 – Thelma & Louise – Não dá pra não abrir a lista por esse título. O mais icônico road movie feminino e feminista! Dirigido por Ridley Scott, narra a aventura de duas mulheres insatisfeitas que resolvem se aventurar durante um fim de semana e acabam em fuga em busca de liberdade por cenários míticos dos road movies norte-americanos. Susan Sarandon e Geena Davis interpretam os papéis centrais que representam mulheres comuns cansadas de só sobreviver e enfrentar uma vida áspera cheia de homens brutos, tédio e insatisfações. Simplesmente sensacional!
2 – Antes do amanhecer – Ué, mas não é um romance, como ela vai estar sozinha? Sim, queridos, atentem ao fato de que Celine (Julie Delpy) está viajando sozinha quando conhece Jesse (Ethan Hawke). Os dois tem momentos lindos, intensos e… ambos seguem seus destinos e Celine volta a viajar sozinha. O filme de Richard Linklater é um bom retrato de coisas que acontecem em uma viajem só: conhecer pessoas interessantes de formas inusitadas, dividir bons momentos, ter possibilidades de reencontros ou não.
3 – Sob o Sol de Toscana – Frances Mayes (Diane Lane) é uma escritora recém divorciada que ganha das amigas lésbicas uma excursão para a Toscana, para mudar os ares depois da separação. Mas as mudanças trazidas com essa viagem serão bem mais profundas do que todos imaginavam. O filme de Audrey Wells é bem água com açúcar, mas as paisagens da Toscana fazem valer a pena.
4 – Comer, Rezar e Amar – Tá, bem cheio de clichês, mas um filme que mostra paisagens da Itália, Índia e Bali, não pode ser totalmente ruim. E tem a Julia Roberts, que sempre brilha (sim, eu amo ela! Quem quiser me julgue!). O longa de Ryan Murphy está longe de estar entre os meus favoritos, mas entra na lista para lembrar que sim, podemos cruzar continentes, conhecer mais de um país, buscar aulas de culinária e meditação, enfim, que nada além de nós mesmas pode nos limitar.
5 – O Céu de Sueli – Eu não ia deixar de colocar um representante brasileiro nessa lista. Hermila (Hermila Guedes) é uma jovem de 21 anos que está de volta à sua cidade-natal, a pequena Iguatu, localizada no interior do Ceará. Ela volta juntamente com seu filho, Mateuzinho, e aguarda para daqui a algumas semanas a chegada de Mateus, pai da criança, que ficou em São Paulo para acertar assuntos pendentes. Porém o tempo passa e Mateus simplesmente desaparece. Querendo deixar o lugar de qualquer forma, Hermila tem uma idéia inusitada: rifar seu próprio corpo para conseguir dinheiro suficiente para comprar passagens de ônibus para longe e iniciar nova vida. Duas coisas me motivaram a escolher esse filme para a lista: o desejo visceral da personagem de partir para o mundo e o depoimento do diretor Karim Aïnouz sobre como idealizou o filme. Ele conta que viveu numa família em que os homens partiram para a cidade grande, ganharam o mundo, sumiram, e as mulheres ficaram, mantendo casa, os filhos. E se perguntava como seria se um dia alguma daquelas mulheres resignadas resolvessem fazer como os homens. Uma bela reflexão sobre as mulheres chefes de família do Brasil ( 38,7% dos 57,3 milhões de domicílios brasileiros são chefiados por mulheres). E, sim, o filme mostra o quanto pode ser chocante uma mulher lutando com as armas que tem para ganhar o mundo.
Bons filmes e boas viagens!